ER & BA - DAY 02

Quando a noite cai, as lâmpadas emitem tons azulados por todo complexo. É a única maneira, estando aqui dentro, de perceber se o sol já adormeceu ou, no mais, se dança tímido no céu. Fincada no chão, como a raíz de uma árvore, Yaga não dá muito espaço para quem aprecia a quentura dos dias. 

No salão principal, bandejas de ovos e aves se misturam a um liquido espesso e marrom que balança nas imensas garrafas de vidro. Há menos comida na mesa agora do que havia quando acordaram. Ekaterina é a primeira a tomar o prato raso nas mãos. Os riscos no tampo, vítima de serradas despreocupadas, formam uma bela arte na cerâmica. A ruiva se serve. Pega uma colherada de tudo o que encontra pela frente, assim como uma porção daquele suco suficiente apenas para encher meio copo. As novatas se entreolham. Não entendem se devem se servir logo ou esperar que Ekaterina termine, como fariam com a rainha, talvez. Parecer petulante é a última de suas intenções - da última vez que algumas delas foram vistas dessa forma em casa, se é que tiveram casa, já havia motivo suficiente para não terem jantar por ao menos 7 dias. Com o ranger dos dentes e a mordida da língua, portanto, elas aguardam, até que alguém tenha a audácia de se levantar e perguntar. 

Ekaterina finalmente se senta. E passa o prato que serviu à menina à sua direita. Esta, por sua vez, segue o mesmo ritual. Levanta-se, despeja um pouco de tudo no prato, acompanhado de meio copo do líquido marrom, e o entrega àquela que está ao seu lado. É uma novata. Macaco vê, macaco faz, não é mesmo? Logo estão todas comendo, sem dizer uma palavra, servidas pela colega à sua esquerda. 

Ao final da refeição, as sobras são divididas em mais três pratos.

- A regra é simples: se você passou longos períodos de fome antes de ser resgatada, ou está doente, ou os dois, pode comê-los. - Uma garota de pele amendoada pronuncia. - As demais não têm autorização de sequer tomar um grão dessa comida. 

- Não teremos nem mesmo uma fruta de sobremesa? - uma recém-chegada resmunga.

A mesma garota mediterrânea então decreta:

- Ter o jantar já é uma sobremesa.

A recém-chegada recebe uma cotovelada da companheira ao seu lado e dá de ombros. Logo estão todas enfileiradas novamente, indo em direção ao quarto.

- E a nossa sobremesa, Ekaterina? - questiona Aimi.

As que restaram no cômodo desatam a rir, a ponto de levar a mão à barriga. Até Ekaterina mostra os dentes no que lembra muito um sorriso.

- A petulância delas, que acabaram de chegar, eu até tolero. A de vocês, bom... - Agora sim ela exibe um riso debochado na boca - Não me peçam para dizer onde enfiar a sua sobremesa...

- Entendido. Estamos indo.

Quando não resta mais ninguém nos corredores, as luzes são apagadas. Não há barulho externo que penetre as grossas paredes metálicas. O enxaguar dos canos fornece o único vestígio do que poucos chamariam de música ambiente. 

O quarto das recém-chegadas mergulha em silêncio. Um murmúrio suave vem de uma das camas. 

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