ER & BA - DAY 01

Os sons continuam a tilintar nos corredores de Yaga, não importa se é dia ou se é noite. O complexo parece ter o seu próprio ecossistema. Ao invés de riachos, a água correndo e respingando nas torneiras imita a correnteza. Como as folhas dramáticas das árvores, o aço que compõe quase tudo neste lugar canta ao menor estampido. Mas existem bichos; existem garotas. 

Durante as vinte e quatro horas seguintes à revolta no Madam D'Yavol três garotas foram embora. Dentre as que ficaram, vale ressaltar, nem todas o fizeram por grande devoção à causa que lhes fora apresentada. Mesmo sem qualquer confiança na promessa de Ekaterina, e na figura dela por si só, algumas permaneceram em Yaga porque qualquer que fosse o seu futuro ali, este era melhor do que o que vislumbravam do lado de fora. 

Poucos eram os minutos em que as recém-chegadas ficavam sozinhas. De forma sutil, minuto a minuto uma das mais velhas se achegava, fosse para contar histórias, fosse para saciar os singelos desejos por um pouco mais de comida ou um cobertor mais quente. 

Ninguém ali dentro sabe, mas o salão em que agora descansam é o maior de Yaga. Decisão estratégica. Alocá-las em quartos menores exigiria demasiada vigilância; uma mão-de-obra preciosa, melhor utilizada nas outras missões que ainda se encaminhavam. 

O sol acorda. As luzes se acendem. Mais de uma delas acorda em um tiro assustado. Demoram até notar que ainda estão em Yaga; que ainda estão seguras contra qual seja o predador que as perseguem no mundo dos sonhos. 

Não há qualquer interruptor visível, nem mesmo uma veterana no quarto. Um sinal de automação, algumas deduzem em silêncio. 

"Talvez exista internet aqui", uma delas pensa. "Como era bom o mundo quando podia usar a internet... Será que ela continua a guardar a música favorita de minha mãe, naquele site de nome esquisito que canta de graça pra gente?". 

Veja bem, um novo item à lista de coisas para descobrir em Yaga: a internet. Atrás apenas do item "o que diabos estamos fazendo aqui".

Pouco depois das luzes se acenderem, um grito alto é ouvido no corredor. Lembra tanto um uivo que por um momento as mais novas se encolhem em suas camas, apoiadas nos próprios joelhos. Uma, outra, três, cinco, nove vezes. Os uivos não param. É como se o vento estivesse cantando, rodopiando de um lado a outro sem descanso. Até que tudo é silêncio mais uma vez. Silêncio vibrando no aço.

Somente por um curto período, é verdade.

Logo, gargalhadas, muitas e muitas gargalhadas, ecoam vindas do lado de fora. A porta se abre. Um alegre rosto redondo surge no vão que se forma. Mariana, com uma xícara turquesa em uma das mãos, estende a outra em direção a quem está aqui dentro.

- Esperem, garotas. Peço que me desculpem se a cantoria de ZZZ assustou alguém. Eu realmente devi ter acordado vocês alguns minutinhos antes e prepará-las para esse, digamos, ritual matutino, mas dormimos tão tarde ontem, e a cama estava tão quentinha... E... Bom... Ekaterina não precisa saber de nada disso, não é? Ótimo. Levantem-se, já há café na mesa.

Uma fila se forma. Todas, em diferentes graus, carregam estampado aquele olhar de animal desconfiado. A incredulidade de presenciar alguém bondosamente lhes abrir a gaiola da vida, depois de anos de prisão. agarrou-se aos ossos. No entanto, novamente o tambor dos estômagos a roncar é um chamado da realidade que se sobrepõe a quaisquer pensamentos de dúvida.

Kev é a última a compor a marcha. Ainda ajeita a camiseta roxa que escolheu como pijama, dentre tantas da pila recebida, quando o sorriso de uma das veteranas cruza o seu. É Ella. Bem é verdade que Kev apenas atrasou o ritmo para garantir que seria a última integrante da fileira, para assim, quem sabe, cruzar com a menina novamente e poder examiná-la mais de perto. Agora, pega de surpresa, não consegue observar nada, quiça seu novo penteado (isso é um rabo de cabelo em u). Apenas sorri, desajeitada, e se pergunta se Ella notou as manchas amareladas crescendo próximas às suas gengivas. 

Ao chegar à mesa, Kev pede à Panyin (ou será Aimi?) que lhe arranje um daqueles amarradores de cabelo. Algumas mechas crespas lhe escapam nas costas, mas boa parte do emaranhado negro fica bem preso no topo da cabeça, com as cristas soltas. 

Ekaterina é a última a se juntar ao café da manhã. Assim que cruzam o último corredor, as meninas que vêm junto a ela param de conversar, como se atravessassem um portal sagrado. Sempre que os olhos de uma novata e uma veterana se cruzam, sorrisos refreados cruzam o ar. Um relógio a todo tempo, segundo a segundo, sem que aja, contudo, qualquer sinal de um horário sendo exibido.

- Bom dia a todas. - Ekaterina deseja, ao se levantar. Os trajes cor de laranja reluzindo na mesa polida. - Vejo que muitas não desistiram ainda. É um novo recorde - algumas veteranas, como Nicole e a ruiva ao seu lado, trocam risadinhas. - Por enquanto, gostaria que aproveitassem o café da manhã, que nem sempre é tão farto, e se preparassem para um dia desafiador, como tudo deve ser. Dóbraie útra.

Regras, regras, regras. Regras e café da manhã, Regras e mais regras. Como funciona isso. Como não se deve mexer naquilo. O que precisarão treinar se quiserem mexer nisso ou naquilo. As funções disponíveis. Cães, obras de arte, armas do tamanho de um fêmur. A reafirmação de que podem ir embora a qualquer momento. Mais duas se vão quando se deparam com a chance. Cinco ainda restam, agarradas à chance de fugir de lá de fora. A estas, basta como recompensa a sorte por não estarem agora sentindo a gordura da pele pegajosa de homens como Góri, nem em suas casas natais igualmente pegajosas, inundadas de gente como ele.

Mal piscam e a noite cai. O jantar é servido na mesma mesa reluzente. Dessa vez, as novatas são convidadas a ajudar na cozinha; algumas mais desajeitadas, encarregadas da decoração mais simples que uma refeição já viu.

*1014 WORDS.*

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